top of page

Não existe (só) amor em .doc

  • Laís Malek
  • 3 de mai. de 2017
  • 2 min de leitura

Sento pra escrever uma crônica. Abro o twitterfacebooksnapchatinstagram procurando alguma fonte de inspiração. Me distraio e quando me dou conta já se passaram 40 minutos e não escrevi uma linha. Tenho uma ideia: abro o Spotify. Criolo, ordem aleatória. Imediatamente sinto os hamsters correndo em rodinhas dentro da minha cabeça aumentarem cada vez mais a velocidade.

Ainda há tempo de alcançar minha meta de escrever pelo menos um texto por dia mesmo que com muito esforço nos momentos finais. Anoto várias ideias (algumas enormes de 30 linhas, outras médias com 15, duas de cinco) no papel, mas ainda sinto que falta alguma coisa pra desenvolver o texto. Em uma metáfora culinária, algo como um fermento pra massa pra fazê-lo crescer. Tento tirar um pouco da pressão dos meus ombros, afinal tô pra ver algum escritor que não tenha sofrido de bloqueio criativo. A inspiração é como um freguês da meia-noite: aparece quando a gente tá pronto pra dormir e some durante o dia, justo quando ela é mais necessária. Respiro fundo. O escritor é uma espécie de menino mimado, que quer o texto pronto na cabeça, e depois traduzido perfeitamente pro papel, e isso sem precisar trabalhar muito. O processo criativo, no entanto, se assemelha mais com a linha de frente de um campo de batalha — somos soldados das palavras, dispostos a morrer por nossa bandeira da literatura. E como não há ateus nas trincheiras, na guerra vale tudo: convoque seu Buda, reze pro seu deus, faça uma oferenda pro seu orixá…

Escrever é o teste máximo da paciência de um ser humano. Escreve, apaga, relê. O que era ótimo parece agora péssimo e você pensa como foi capaz de escrever algo tão horrível. Insegurança, lá vem você assombrando de novo. Lê mais uma vez. A construção tá boa, a sonoridade péssima. Maldita ideia de querer que o texto seja agradável aos olhos, ao ouvido, e, principalmente, à alma (poucas coisas são melhores do que ouvir um “caramba, até me emocionei” quando alguém lê algo seu). Alguns toques finais e chega a hora da decisão, sempre a mais difícil. Tira uma palavra daqui, coloca uma vírgula ali, troca a ordem das frases acolá — tudo isso pra tentar traçar algum plano de vôo que oriente a trajetória do texto final. Depois é esperar pra ver se vai seguir o trajeto planejado, mas a gente nunca tem certeza de onde ele vai parar. As palavras funcionam como os bonecos do Andy em Toy Story: podemos até brincar, mas elas só ganham vida quando não estamos observando.

Trabalhar com palavras é algo complicado. Nosso cartão de visita não é uma coisa material que pode ser corroída caso caia uma chuva ácida, não é algo que cabe em um vasilhame. Pior: é abstrato, com uma estrutura menos sólida que uma casa de papelão. Se aventurar no estranho e fascinante mundo das letras é uma tarefa homérica, mas cheia de beleza. É um caos organizado, uma bagunça milimetricamente planejada. É uma dança composta por centenas de passos diferentes, cada um com seu ritmo e marcação, mas com todos se juntando pra compor uma harmonia que te move tanto literal quanto figurativamente. E nesse samba, sambei.

Commentaires


Posts recentes
Categorias
bottom of page