O nostálgico fim da Saga dos Corvos
- Laís Malek
- 2 de mai. de 2017
- 3 min de leitura

“The Raven King” (“O Rei Corvo”, em tradução livre) é a conclusão da Série dos Corvos, uma quadrilogia épica sobre a busca de um adolescente que, ajudado por seus amigos, desvenda mistérios do passado para encontrar o túmulo perdido de um rei galês morto no século XVI, Owen Glendower. O livro desenvolve, simultaneamente, a ansiedade para saber o desfecho da história com a nostalgia da aproximação do fim e aquela sensação de não saber o que vai acontecer depois. E essa é a sensação que o leitor, que, se acompanhou desde o começo, esperou 4 anos para saber o final, fica no decorrer do livro. A autora Maggie Stiefvater consegue com maestria aproximar os personagens do leitor, que tem os mesmos anseios de Blue, Gansey, Ronan, Adam e Noah e se transportam para a história de uma maneira que apenas um livro bem escrito tem a capacidade de fazer.
O lirismo da escrita — característico da autora desde a trilogia Os Lobos de Mercy Falls (2009), mas que na Saga dos Corvos é quase um personagem — prende o leitor da primeira à última frase. A narrativa começa trazendo de volta um parágrafo do primeiro volume da série, “Os Garotos Corvos”. No prólogo, a autora relembra o motivo de todos os acontecimentos terem se desenrolado: Richard Gansey III sempre soube que era destinado às grandes conquistas. Na reta final da busca pelo rei Owen, é importante lembrar o ponto de partida da história, uma espécie de breve retrospectiva-resumo de tudo o que aconteceu até aquele momento para instigar na memória do leitor (que esperou um ano e meio para ler o quarto volume) a vontade de saber o que vai acontecer quando (se) os personagens encontrarem o túmulo do rei. O primeiro capítulo começa com uma frase que será repetida toda vez que o ponto de vista muda. Em tradução livre, "Dependendo de onde você começa a história, ela é sobre as mulheres da Rua Fox, 300" é o primeiro marcador de perspectiva de “The Raven King”. Dependendo de onde você começa a história ela pode ser sobre Declan Lynch, Neeve Mullen, Henry Cheng, Gwenwillian, o Homem Cinzento, Seondeok, Noah Czerny e, finalmente, Cabeswater. A cada mudança de perspectiva, além de quebrar o ritmo de ação que deixa o leitor com o batimento cardíaco acelerado, novas informações — desconhecidas para os garotos corvos e Blue — são reveladas, encaixando novas peças nesse enorme quebra-cabeça. A maior peça desse quebra-cabeça continua girando, entretanto, ao redor de Cabeswater, a floresta real-imaginária que é o cenário principal da trama. Cabeswater é a metáfora perfeita para toda a série, que se estabelece nas áreas pouco claras entre sonho e realidade, presente e passado, rural e urbano. A representação dessas áreas turvas entre o preto e o branco, o certo e o errado, mostra-se claramente na figura do Homem Cinzento, um ex-assassino de aluguel que possui seu próprio código de ética, e cujo pseudônimo representa a tonalidade que simboliza esses questionamentos morais. É uma das artimanhas que a autora usa para conferir à série esse ar de ambiguidade, muito presente em todos os conflitos da história.
Cabeswater é o elo que une todos os personagens principais. Adam se torna seus olhos e ouvidos (e isso acaba se manifestando de maneira inesperada no fim do livro); Ronan desenvolve uma conexão, que cada vez mais aproxima-se da telepatia com a floresta; Gansey procura dentro dela o túmulo do rei perdido; Blue tem seus poderes mágicos amplificados pela energia espiritual da floresta; Noah foi assassinado lá. Todas as respostas que os protagonistas procuram estão diretamente relacionadas à floresta, ao mesmo tempo em que dela surgem novas perguntas e personagens cujas interseções com a trama principal acabam tecendo uma complexa rede de informações que só é compreendida como um todo no capítulo que encerra a série. Quando finalmente todos os pontos são conectados e a história chega ao final é que o leitor percebe o motivo do livro ter se desviado da narrativa principal em alguns momentos e como essas informações aparentemente desconexas servem para amarrar as pontas soltas que a autora propositalmente deixou ao longo dos quatro volumes. A sensação de um final planejado desde o início e executado de maneira que mostra que nada do que aconteceu foi por acaso só não é maior do que a melancolia por ter que aceitar o fim de uma das sagas mais bem escritas no gênero jovem adulto. É difícil encaixar o livro em alguma categoria diferente desta, pois sua natureza única rompe com os padrões das fantasias rural e urbana, dos romances históricos e fictícios, da prosa e da poesia. Foi o desfecho ideal para uma história cujo final deixa um dos grandes questionamentos da vida: o que acontece quando a narrativa acaba?
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