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Procura-se arquitetos

  • Yayá Lisboa
  • 1 de mai. de 2017
  • 3 min de leitura

O ano. Numa dieta balanceada por todas as porcarias alimentares, café e ansiedade, engordei e emagreci. Adoeci - várias vezes. Logo eu, a "diferentona" que pegava chuva sem temer a gripe, passei a sempre andar com o guarda-chuva e uns casaquinhos - no plural. Confesso que, por pouco, não comprei um álcool em gel para ficar, por aí, esterilizando o mundo e todos os seus moradores.

Festinhas no final de semana? Precisei esquecer. Além das provas e simulados aos sábados - às vezes, também aos domingos -, eu tinha um foco e lutaria com toda a minha alma para alcançá-lo - era o que eu pensava. Afinal, seria a minha primeira grande decisão como adulta. E é assim que os adultos fazem. Logo, precisava crescer; amadurecer. Além disso, minha escola integrava o "top five" das líderes em aprovações nos principais vestibulares do Rio. O mínimo que eu poderia fazer, além de não parar nunca de estudar, seria confiar a minha aprovação àquela belíssima reputação empresarial.

Contudo, preciso dizer que tive uma certa sorte nessa tortura pré-vestibular. Minha família cuidava de não piorar as coisas. O zelo era notório. Isso porque em toda e qualquer reunião dominical, entre uma coxa de frango e outra, sempre se lançava no ar: "Calma, Yayá! Você sempre foi estudiosa, não tem como não passar. Até o filho da fulana que nunca quis nada com a 'hora do Brasil' passou." ou, ainda, "Jornalismo, filhinha? Mas vai para a Globo? Você sabe, né? Só assim pra ganhar dinheiro." mas sempre terminavam - com chave de ouro - em "Você é, e sempre foi o orgulho da nossa família."

O dia. Eis que chega o tão esperado momento. "Agora vai! Além de estudar, eu me doei para esta causa. Não tem como dar errado.", penso. Mas esse pensamento acaba tendo curtíssima duração, já que, no restante do tempo, não paro de me tremer e soletrar mentalmente "J-Á E-R-A!" Após rezar para as mais diversas entidades, beber água, ir ao banheiro, organizar os biscoitinhos, isotônico, prova e cinco canetas esferográficas na cor preta que mal deixavam algum espaço livre em minha carteira, ouviu-se o "PRRRRIIIIIIIIMMMMMMM!". Início de prova! O início da sua vida. Ou o fim dela. Você decide! Você é o único responsável! Você! VOCÊ! V-O-C-Ê! Cinco horas depois, fim de prova. "Tirando Matemática, fui bem. E Física. E Química. E Biologia. Ah, mas minha área é a de Humanas! E eu acho que fui muito bem na Redação! Mas e se eu tiver fugido ao tema? Ai, meu Deus! E agora?!" "Agora relaxa e espera! Não há mais nada a fazer” – tentava me convencer. Ahhhh! Natal, Ano Novo, aniversário: tudo chega, tudo passa - menos essa tortura. A nota de corte começou lá em cima e eu não entrei de primeira. Besteira! "A esperança é a última que morre". E, nesse caso, ela tem nome: "reclassificação". Após mais algumas rezas e frustações, entrei!!!! Universidade pública!!! Minha família morreu de orgulho e, confesso que, eu também. Mas, agora, que começassem logo as aulas. Não conseguiria segurar mais aquela ansiedade. Primeira semana. Trote, galera, várias festinhas. "Cara, isso é o paraíso.", só conseguia pensar. Nos dois primeiros dias, nem lembrei o real porquê de estar lá. Só lá para o terceiro é que fui me questionar: "Ué! Mas não vai ter aula?" É, não teve. Aí é que pude enxergar o que realmente acontecia. Sem condições de dar aula naquela universidade, que tinha o Campus assumidamente abandonado pelas autoridades públicas responsáveis, e sem receber suas devidas remunerações pelo trabalho realizado - daí o significado de "trabalho remunerado" -, o corpo docente, numa postura corretíssima, teria entrado em greve. Assim, eu, os demais alunos, professores e funcionários não tivemos, desde o início do ano letivo, uma aulinha sequer. Mas, se pensaram que iriamos aproveitar para tirar umas férias de doze meses, enganaram-se. Fomos lutar! Afinal, reivindicávamos o essencial, o que deveria ser considerado o alicerce de qualquer sociedade. Lutamos! Até chegar à secretária do Governo. Ela, sorrindo amarelo, me entregou um bilhete que teria sido escrito pelo próprio, o Governo, e pediu que seguíssemos as recomendações. Abri. "Educação, volte amanhã! Estamos ocupados com o legado das Olimpíadas!" Guardei o bilhete e, ali, tive a certeza de que jamais pararia de lutar. Afinal, como pode um país querer construir um prédio chamado "Legado " sem se preocupar com a firmeza do que irá sustentá-lo? Procura-se bons arquitetos!

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